sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Heavy Metal e Hard Rock no Brasil, quando tudo começou

As bandas de rock pesado iniciaram seus shows e eram raros em relação há hoje. Mas também nos anos 80 tinha um clima diferente de hoje em dia. Recordo-me quando íamos aos shows das bandas nacionais, a maioria na zona norte, onde as casas de shows de rock abriam seus espaços ao vivo.
Os espaços mais freqüentes eram o Heavy Metal, na Vila Carrão; o Rainbow Bar, no Jabaquara; Carbono 14, no Bixiga; Lira Paulistana, em Pinheiros; Sesc Pompéia, na Lapa; Mambembe, no Paraíso; Radar Tantã, no Bom Retiro; Black Jack, Santo Amaro; Raio Lazer, Moema e também alguns teatros abriam espaço, como o Arthur de Azevedo na Mooca, o João Caetano, Martins Pena. Existiam algumas casas de rock, como o Fofinho, que passava vídeos e ficava na Celso Garcia próximo ao metro Belém, um dos principais pontos roqueiro dos anos 80. Tiffon, Rádio Club, Madame Satã, Masp, Dama Xoc, Latitude 3001, além daqueles shows em frente à Woodstock Discos, na Dr. Falcão.
Um dos responsáveis pela produção de alguns shows, foi Celso Barbieri, que hoje mora em Londres e tem um site sobre a memória do rock nacional. O Celso fez a produção de alguns discos, inclusive trabalhou com o Korzus e Devil Discos. Mas acho que seu forte sempre foi o show business, esteve envolvido nas produções dos shows SP Metal, Cometa Rock, Praça do Rock, entre outros. Luis carlos Calanda da Baratos, pessoal da Rock Brigade e Woodstock. Músicos e bandas sempre envolvidos neste mundo contado abaixo.
Foram várias fases que passamos, tendo de enfrentar o frio nas madrugadas paulistanas. Os shows eram sempre do outro lado da cidade, e sem transporte, tínhamos de passar a madrugada andando, conversando, e vendo os fatos grotescos da noite da cidade grande, mas tudo isso com muita saudade e um aprendizado muito gostoso. Aprendemos a amar esta música pelo sacrifício que fazíamos, pelas pessoas que conhecíamos, pelo próprio clima gostoso de ter sempre algo a fazer. Algumas sensações, algumas cenas sempre vêm à cabeça em certos momentos, me recordo dos shows no Teatro Mambembe, sempre encontrávamos com uma garota loura, muito bonita por sinal, ela estava sempre com uma camiseta preta do Rainbow, capa do primeiro disco, que tem uma mão segurando um arco-íris. As viagens de ônibus de Cotia até o Parque do Carmo, do outro lado da cidade, até o Tatuapé no metrô com vários roqueiros cantando sons do Iron Maiden. Muita bagunça, mas muita diversão. Era um tempo em que nos shows era possível você ver a banda, curti-la e ao mesmo tempo dançar ao som do nosso verdadeiro rock’n’roll.
O lugar que realmente abriu mais espaço foi o Teatro Mambembe, durante a semana, havia várias bandas tocando. O Projeto Meteoro reunia toda terça-feira duas bandas. Durante mais de um mês, religiosamente, eu, o Elizaldo, o Cláudio e o Sérgio, íamos, sempre, sem perder um show. Uma das bandas que mais víamos era o Proteus, uma banda “poser”, como eles mesmo se intitulavam, certa vez, eles fizeram abertura para o Centúrias, que tinha o slogan de “no poser”. Assistimos a um dos primeiros shows do Sepultura em São Paulo, estava super lotado. O espaço Mambembe cabia por volta de 300 pessoas e tinha umas 500 todas exprimidas. Só assistimos umas três músicas. Assisti a uma das duas apresentações do Inox no Teatro Mambembe, de grande qualidade, mas para poucas pessoas. O Inox fez diversos shows, engraçado que na época não foi divulgado, hoje, falando com o Junior e com o Fernando e mesmo após uma matéria na Roadie Crew, percebi que foram diversas apresentações, inclusive no litoral para mais de 30 mil pessoas.
Assistimos dois shows do Harppia, um no Mambembe, junto com uma banda feminina chamada Ozone e outra vez no Teatro Paulo Eiró, em Santo Amaro, com abertura do Spectrus, me recordo que o vocalista do Spectrus estava servindo o exército e o Cachorrão (ex-Centúrias) fazia o vocal na época. O Harppia estava com um guitarrista, o Flávio Gutok, tocando de cadeira de rodas, com a perna quebrada.
Harppia, Santuário, Abutre, A Chave do Sol, Korzus e Performance fizeram lançamentos de discos em duas noites no Clube Bandeiras em Pinheiros, com apoio da gravadora Baratos Afins. Made in Brazil e Vulcano tocaram no segundo aniversário da Heavy Metal, na Vila Carrão. O Vulcano, de Santos, era engraçado vê-los tocar, o vocalista Angel, urrava o show inteiro e o baterista Laudir Piloni, tocava com ossos humanos ao invés de baquetas, um par de fêmures, que roubou do cemitério do Mongaguá, litoral de São Paulo. O curioso é que o Vulcano gravou quatro discos e um compacto, um independente, outro pela Lunário Perpétuo, pela Rock Brigade... O Made in Brazil, naquele show, apresentou um novo guitarrista, o Wander Taffo (ex-Rádio Taxi). Esse era um daqueles shows que ficávamos até as 6:00 hs para poder vir embora.
A banda que mais assistimos ao vivo foi o Made in Brazil, inclusive o show de gravação do disco Pirata, ao vivo, no Lira Paulistana, com abertura do The Kids, uma banda só de garotos (o baterista, Rick, filho de Oswaldo Vecchione, hoje toca com o pai no Made In Brazil). Aquela noite foi fúnebre, passamos por coisas tipo assalto no ônibus, até uma tentativa de estupro perto do cemitério da Cardeal Arco Verde, brigas no bar, um espancamento por causa de drogas, ainda tínhamos de agüentar o Padiola e o Mosquito juntos. Outro show do Made foi no Sesc Pompéia, primeiro show que assistimos com aquela dupla de gostosas dançarinas, engraçado, muito antes já existiam duplas de dançarinas rebolando no palco.
O Parque da Água Funda nos prestigiou também com a Praça do Rock, um evento que ocorria no primeiro domingo de cada mês. Vírus, Bandrix, Gozo Metal, Harppia, Platina, Destroyer e Lixo de Luxo tocaram pela primeira vez, se não me falhe a memória. O Platina sempre com aquela doença de Whitesnake, neste caso, o vocalista, o Seman, entrava sempre na terceira música, as duas primeiras, Sorte e Stress, cantadas pelo baixista Andria Busic, ai sim entrava o Seman com aquela cara de “deus”, se achando o melhor vocalista do mundo. O Vírus também tinha o Flávio “Pio”, que se achava o Blackmore e ficava a música inteira solando para impressionar as várias mulheres presentes nos shows.
Outro show foi no Parque do Carmo, onde tocou Santuário, brilhante show, Platina e Golpe de Estado. Destaque mesmo para o Golpe que estava lançando seu primeiro disco, e o Catalau insistia em subir numa pilha de caixas-acústicas para ficar cantando em cima delas. Este local era muito bom, um enorme gramado, sem aperto, todos num sol gostoso de fim de tarde, sem confusões, sem nada que pudesse tirar a alegria das mais de mil pessoas que sempre estavam juntas nos fins de semanas para se divertirem. Outro destaque para os shows era a das mulheres que estavam em todas e ao contrário do que muitos pensavam, mulheres bonitas e de cabeça feita sim, algumas malucas, com seus trajes hippies, outras mais “boyzinhas”, mas com grande caráter roqueiro.
O Rainbow Bar tinha nos fins de semana suas atrações, uma das únicas que fui tocou Vodu e Dorsal Atlântica, do Rio de Janeiro. O paulista Vodu estava sempre tocando em toda São Paulo, seu fundador, o André “Pomba”, escrevia para a Rock Brigade. O Dorsal fez um show bem pesado, descartando aquela hipótese de que o Rio de Janeiro só tem samba, um trio potente que não deixa pedra sobre pedra e arrebentou, literalmente, o Rainbow.
O Black Jack também um bar, de propriedade do Paulinho Heavy, ex-Inox. Assistimos ao Firebox, banda do Paulão, ex-Centúrias. Uma outra vez assistimos ao show do Anarca, fomos convidados pelo Rogério, baixista, que tocava numa banda de um amigo, o Cláudio, do Jd. Sabiá, de Cotia. O Anarca tocou clássicos de Rush a Yngwie Malmsteen, além de interpretar suas músicas, não estava muito cheio. Cheio mesmo estava um show do Korzus, fomos com um pessoal de Cotia, e uma amiga, fã de primeira da banda nem chegou a assistir, aquele velho motivo, o pai sabe que a filha foi num show de rock e vai atrás buscar. O Black Jack também é pequeno e tinha mais gente que o permitido, mas como o Korzus é uma daquelas bandas porrada, várias vezes os espaços de perto do palco era aberto, pela forma brutal que o público dançava as músicas, inclusive dois amigos, o Henrique e o Zabolha, que abriam espaço, principalmente nos shows, por causa de suas “massas musculares”, ficávamos sempre na cola dos dois, principalmente também por causa de brigas. Uma vez num show do Guns ‘n’ Roses em São Paulo, queríamos entrar logo para assistirmos a abertura do Rosa Tatuada e na confusão da entrada os guardas vieram para cima do pessoal que não queria organizar a fila, o primeiro a levar “bordoada” foi o Henrique, com 1,98 cm ele apanhou de um guardinha de 1,50 cm, lógico que haviam no local mais de 100 guardas e ele teve de ficar quieto, o que não nos poupou de por muito tempo tirar sarro dele.
O Centro Cultural São Paulo, na sala Adoniran Barbosa, abriu seu palco para Golpe de Estado, A Chave do Sol, e a dois shows inesquecíveis, um da Patrulha do Espaço, que estava com novo guitarrista, o Rubens, ex-A Chave do Sol, também alguns convidados como Hélcio Aguirra do Golpe de Estado e o sempre grande Percy nos vocais. Infelizmente o Sérgio, pouco tempo depois viria a falecer, e bem lembrada a homenagem no disco Quarto Golpe, do Golpe de Estado. O Outro show foi do Made in Brazil, sempre pesado e com vários convidados. O Made sempre foi convidado especial aos shows do Centro Cultural Vergueiro, principalmente nas semanas de blues.
Um dos festivais que mais bandas tocaram foi no Palmeiras, as principais bandas da capital tocaram nesta festa que atravessou toda a madrugada. A Raio Lazer também promoveu seu Festival Heavy, durante todo final de semana do mês de setembro de 1986, duas bandas dividiam o palco, Viper e Mamouth, Karisma e Vírus, Excálibur e abutre, Anarca e Centúrias, Spectrus e Gozo Metal e Improviso e Salário Mínimo. Recordo-me bem destes shows, porque entre uma banda e outra havia uma exibição de luta feminina num ring de lama.
Cometa Rock Festival, no Radar Tantã, com Made in Brazil, Platina, Alta Tensão, Vulcano e Karisma, outro grande espetáculo com casa cheia e grandes bandas, todas com lançamentos de discos. O Masp também realizava shows, um deles o Violeta de Outono em 1986.
Novamente no Centro Cultural Vergueiro, recentemente, em 1998, assistimos aos shows do Made In Brazil, comemorando 30 anos de Rock ‘n’ Roll, também a uma apresentação do Tutti Frutti, Korzus e do Anjos da Noite, nosso “bom” Jovi brasileiro.
Officina do Rock em Santana e Fofinho na Celso Garcia tinham um mesmo objetivo, reunir roqueiros para mostra de vídeos e confraternização. O Fofinho sempre atualizado nos vídeos de shows. Em 1985 Mostrou Combat Tour Live, com Slayer, Venom e Exodus; Deep Purple no Perfect Stranger Tour ‘85; Japan Festival, com Whitesnake, Scorpions, Anvil, Michael Schenker Group e Bon Jovi; Em 1987 o Fofinho por todo ano nos mostrou clássicos como Ufo Tour ‘85, exibido em 30/04; Rush Tour ‘84, em 01/05; Uma amostra de 2 filmes com Metallica, Celtic Frost, Anthrax, Raven e Iggy Pop, exibido em 02/05; Deep Purple live ‘74 e Dokken, em 03/05. O Officina também teve mostras de Raul Seixas, Janis Joplin, Rolling Stones, Deep Purple, Whitesnake.
Em 1981, em São Paulo, mais exatamente no Call Center, Av. Brigadeiro Faria Lima, um engenheiro criou o Rock Show, uma sala de cinema com um telão de 52 polegadas, um projetor Sanyo e lugar para aproximadamente 50 pessoas. Nesta sala, podíamos ver filmes, shows e clips de rock que era quase impossível se ver na tv, o proprietário, o Sr. Afonso Sampaio, junto a um amigo que depois de voltar dos EUA e conhecer várias casas parecidas, traziam fitas de fora para passar no Rock Show, um lugar único na época onde teve o prazer de mostrar Rod Stewart, seu primeiro vídeo, um sucesso. Depois Eric Clapton and Cream, raríssimo. Segundo Afonso, quem mais lotou o cinema foi Never Say Die, do Black Sabbath. Confesso que Live at Pompeii, do Pink Floyd, The Song Remains the Same do Led Zeppelin e Yessongs do Yes, assisti três vezes num dia apenas; lembro-me de ter ficado com a música Roundbout, do Yes na cabeça por semanas cantarolando-a; aquele refrão juntou com o momento e ficou grudento. Iron Maiden, Judas Priest, Twisted Sister, AC/DC, Janis Joplin, Rolling Stones, The Clash, entre outros vídeos fizeram sucesso. O Rock Show anos depois mudou-se para o Bixiga e mais tarde, infelizmente fechou as portas, mas deixou saudades. Ainda me lembro, no Call Center, sua parede azul do lado de fora, com várias assinaturas, formando um painel, com o logotipo “Rock Show” e uma pequena janela, para comprar ingressos. Uma vez, eu e o Elizaldo, fomos para assistir a um show do Judas Priest, mas além de estarmos atrasados, no ônibus que estávamos, havia alguns anarquistas, fazendo a costumeira “zoeira” e passamos direto do Bixiga, até a praça da Bandeira, e não pudemos assistir; outra vez fomos numa segunda-feira e estava fechado, também ficamos sem ver o Judas Priest. Mas como nossa paixão fala mais alto, voltamos na terça-feira, agora sem problemas.
Sempre estive acompanhando toda essa agitação do heavy nacional. Via sempre as mesmas pessoas, e passava frio, fome, cansaço, mas sempre valeu a pena. Tenho orgulho de ter participado de um momento glorioso do heavy metal em São Paulo, junto às bandas, a Baratos Afins, Woodstock, Rock Brigade, Somtrês e todos aqueles amantes do rock. 
O melhor desta época, que infelizmente já passou, é de mostrar o que rolava na cidade de São Paulo, bem no início, quando tudo estava “gatinhando”. Peguei o início e dava força a tudo aquilo, porque estava, e está, em meu sangue. Infelizmente também é não conseguir passar o que realmente estava por dentro, uma sensação gostosa de fazer o que a gente gostava, e num clima de festa, muita alegria e tudo feito com o coração. Isso é o meu mundo, isso é o nosso mundo, isso é o mundo do Heavy Rock!

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